A história de luta e superação de Vitória Chaves da Silva, jovem que enfrentou três transplantes de coração e um de rim ao longo da vida, foi tratada com deboche por duas estudantes de medicina em um vídeo publicado no TikTok — o que gerou indignação na família da paciente e resultou em denúncia à polícia e ao Ministério Público. As informações são do g1, em reportagem de Paola Patriarca.
O vídeo, publicado em 17 de fevereiro — apenas nove dias antes da morte de Vitória — trazia relatos das alunas Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano sobre o caso, que teria ocorrido durante um estágio de curta duração no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. Sem citar nomes, elas descrevem uma paciente que teria feito três transplantes cardíacos e um renal, atribuindo a rejeição de um dos órgãos à suposta negligência da própria jovem em tomar os medicamentos prescritos.
“A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou e teve que transplantar de novo, por um erro dela. Agora, ela transplantou de novo, aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações”, disse Gabrielli, enquanto Thaís completou de forma irônica: “Essa menina está achando que tem sete vidas”.
A família de Vitória, que só teve acesso ao vídeo na semana passada, ficou consternada com o conteúdo. “Um amigo dela que mora na Holanda reconheceu a história e nos enviou. Ficamos em choque quando descobrimos. As duas estudantes fizeram estágio de 30 dias na instituição. Nem chegaram a conhecer a minha irmã. Nunca foram vê-la. Por conta dessa desinformação, as pessoas passaram a criticar minha irmã”, disse Giovana Chaves, irmã da paciente.
Ela contesta a versão das estudantes de que a rejeição do segundo coração foi causada por erro da paciente. Segundo Giovana, a causa foi uma complicação chamada doença do enxerto, comum em casos de transplante. “Elas fazem essa afirmação e não foi isso. Nós temos prova com o testemunho da médica que cuidou da minha irmã por 22 anos. Ela teve doença do enxerto, que é normal dar em órgão transplantado”, afirmou.
Vitória nasceu em Luziânia (GO) com uma condição rara, a Anomalia de Ebstein, e foi diagnosticada ainda bebê com uma expectativa de vida de apenas 15 dias. Aos cinco anos, após longa espera na fila do SUS, recebeu o primeiro coração. Em 2016, já adolescente, passou pelo segundo transplante e, em 2019, enfrentou uma rejeição aguda que quase a tirou da prova do Enem. “Só de conseguir fazer a prova já é uma vitória. Estou confiante, já deu certo. Quero deixar de ser paciente para atender, me especializar em cardiologia pediátrica e retribuir tudo o que os médicos fizeram por mim”, declarou na época.
Em 2023, ela precisou de um transplante renal, e no ano seguinte recebeu seu terceiro coração. Vitória estava internada na UTI do Incor havia quase dois anos quando faleceu, em fevereiro de 2025, por insuficiência renal crônica e choque séptico.
A FMUSP, responsável pelo Incor, afirmou em nota que as estudantes em questão não são alunas da instituição, mas estavam no hospital por meio de um curso de extensão de curta duração. A faculdade repudiou “qualquer forma de desrespeito a pacientes” e declarou estar tomando providências junto às universidades de origem das alunas.
“Também fomos na faculdade de uma delas. Eles demonstraram repúdio ao ato. Queremos que elas se retratem conosco, porque tocou numa ferida muito aberta, e retratação em vídeo para que desmentissem e passar essa desinformação porque todo mundo está criticando minha irmã”, completou Giovana.
O caso foi distribuído ao 4º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da capital paulista e segue sob análise do Ministério Público. As estudantes, até o momento, não se manifestaram publicamente.
Brasil 247