Foi por causa de uma greve de trabalhadores ocorrida em 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, reivindicando jornada de 8 horas por dia, que o dia Primeiro de Maio entrou para a História como Dia Internacional dos Trabalhadores.

Ou Dia do Trabalhador, Dia do Trabalho ou Festa do Trabalho — as denominações variam de parte a parte do planeta e carregam pequenas diferenças semânticas.

No Brasil, embora haja registros de manifestações operárias já no fim do século 19, a data foi oficializada em 1924 — durante a gestão do presidente Artur Bernardes (1875-1955) — mas, como atestam historiadores contemporâneos, acabou sendo cooptada pela máquina estatal alguns anos mais tarde, na gestão Getúlio Vargas (1882-1954).

“É importante salientar a tentativa dos governos de Bernardes e Vargas de ter controle sobre a data, em um momento de expansão de movimentos anarquistas e socialistas. Trazer a data para o calendário nacional era, obviamente, uma forma de ordenar o que comemorar, evitando e combatendo leituras dissonantes, do ponto de vista da ordem capitalista”, acrescenta Galves.

“Com Vargas, a data se transforma em espetáculo. Nesse sentido, talvez seja curioso ressaltar o fato de, a cada Primeiro de Maio, Vargas anunciar o valor do novo salário mínimo, concedido pelo líder, e não negociado com instâncias sindicais. Esse caráter de dádiva expressa o espírito de ordenamento da data.”

A inversão estava justamente no protagonismo. Populista, Vargas se colocou como alguém que concedia os direitos — como se esses não fossem, por essência, resultado de lutas e aspirações do povo. “Ele resolveu, de certa maneira, acabar com essa cara de reivindicação que havia no Dia do Trabalho. Para tanto, reforçou a data de forma a transformá-la em algo chapa-branca”, complementa Rezzutti.

“Virou um dia de festa, de desfile, uma coisa cívica e não mais uma luta pelos direitos trabalhistas. Na cabeça de Vargas, não fazia sentido lutar por direitos trabalhistas, afinal, ‘ele já tinha dado um monte de coisas’ para o trabalhador. Há uma mudança de semântica: de trabalhador para o trabalho. ‘É hora de homenagear o trabalho, já que todo mundo tem trabalho’, pensava-se.”

Primeira página da Consolidação das Leis do Trabalho, instrumento de regulamentação do trabalho e um dos pilares fundamentais da popularidade de Getúlio Vargas entre trabalhadores urbanos — Foto: Arquivo nacional/ BBC
Primeira página da Consolidação das Leis do Trabalho, instrumento de regulamentação do trabalho e um dos pilares fundamentais da popularidade de Getúlio Vargas entre trabalhadores urbanos | Foto: Arquivo nacional/ BBC

É nesse contexto que surge o conceito de peleguismo, afinal, o meio que o governo usou para controlar as organizações sindicais.

“O projeto getulista de modernização do Brasil, incentivando a industrialização, baseava-se em, de um lado, enfatizar a importância e o papel do trabalhador; por outro, era preciso docilizar e manipular a massa de trabalhadores que estava se constituindo”, explica Bertolli.

Isso foi feito à moda do pão e circo. De um lado, o salário mínimo e a CLT. De outro, as festividades. “Em sua perspectiva de domar esse trabalhador, o governo começou a investir numa redefinição da festa dos trabalhadores. Se essas celebrações haviam começado em São Paulo com os anarquistas, de forma livre, independente e patrocinada pelos próprios trabalhadores e suas associações, Getúlio Vargas começou com a ideia de eventos festivos. Ele domesticou o Primeiro de Maio e o Estado passou a participar do evento”, conta Bertolli.

“Um dos caras que cantavam muito nessas festas era um mocinho proletário que depois ganharia fama. Seu nome era Vicente Celestino.”

Era um tempo de construção de narrativas e reforços ao imaginário público, a propaganda era a chave. “Entre 1930 e 1945 circularam no Brasil, então governado por Getúlio Vargas, as mais diferentes formas de propaganda política que, produzidas pelo poder instituído, tinham como objetivo promover heróis e incriminar os inimigos do regime. Álbuns de figurinhas e de fotografias exaltavam as lideranças brasileiras, assim como os feitos do Terceiro Reich, admirado por suas conquistas”, descreve a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Universidade de São Paulo (USP) no livro, ainda inédito, ‘Panfletos Subversivos’.

“A narrativa oficial pautava-se pela presença de Vargas em todos os círculos das esferas públicas, destacado inicialmente como revolucionário de 1930, depois como ‘trabalhador n.1 do Brasil’ e, finalmente, como presidente eleito pelo povo, apesar do golpe ditatorial de 1937. Dessa forma vislumbramos nos impressos daquele período um conjunto de narrativas e imagens que estavam em sintonia com o ideário estadonovista.”

Despolitização da data

Esse caráter apolítico da data foi se tornando praxe, cada vez mais. “Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, legalizou os sindicatos e atrelou os trabalhadores ao Estado — e a ele, em particular. O Primeiro de Maio foi transformado em cerimônia de Estado. E, claro, do dirigentes sindicais pelegos”, contextualiza Villa.

“Historicamente o Primeiro de Maio é um dia de luta dos trabalhadores. A data, no Brasil foi perdendo força — na Europa, hoje, também. A mudança do padrão de acumulação capitalista pode explicar este fato, lá e aqui. E ‘aqui’ porque a decadência veio antes do auge, coisas do Brasil.”

Nas últimas décadas isso ficou claro com festas do Primeiro de Maio que mais se assemelhavam a show do que a manifestações operárias.

“O que Vargas fez se parece muito com aquilo que foi recuperado, sobretudo com o governo do PT: era festa”, compara Bertolli. “Antes, a partir do fim dos anos 1990, houve esse resgate: tinha evento com sorteio de carro, essas coisas. O caráter despolitizante da festa é uma característica do festejo no Brasil das últimas décadas”, complementa Galves.

“O Primeiro de Maio é cada vez menos um festejo político e cada vez mais um feriado de lazer, de descanso”, define Galves.

g1

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