O ano era 2002, e o carro mais vendido do Brasil era Volkswagen Gol. O carro completava 15 anos na liderança e vendia 208 mil unidades anuais. Era a ocasião perfeita para a montadora exibir um pouco mais de seus concessionários para ampliar as vendas. Foi nesse contexto que surgiu um dos casos mais inusitados da história do mercado automotivo no país — e que ganhou novos capítulos em 2025.
O episódio conhecido como concessionária fantasma chamou atenção por uma frota de carros 0 km intocados por mais de duas décadas. Entre os modelos estavam um Volkswagen Quantum e Fuscas da série Itamar, que permaneceram protegidos do tempo e do uso até serem finalmente vendidos em 2025.
A história remonta justamente a 2002, quando a concessionária Comercial Gaúcha Volkswagen deixou de ser credenciada pela montadora. O motivo da descontinuação foi a baixa demanda na cidade de Estrela (RS), que não atingia a meta mínima de vendas estabelecida pela Volkswagen.
Enquanto a fabricante exigia que a loja comercializasse cerca de 60 carros por mês, a realidade local impunha um limite bem mais modesto, com menos de 20 unidades vendidas mensalmente. Na época a cidade vizinha a Lajeado e Arroio do Meio tinha cerca de 27 mil habitantes.
O convencional nestas situações era o proprietário trocar de montadora ou virar uma revenda multimarcas de novos e usados. Mas eis que surgiu o fato inusitado: o concessionário Otmar Essig recusou-se a vender os carros remanescentes.
Ao invés disso, optou por mantê-los dentro da loja, como se fosse um museu particular.
Já idoso, o empresário seguiu uma rotina disciplinada: todos os dias, por volta das 6h30 da manhã, chegava à concessionária para tomar chimarrão e conversar com amigos que passavam por ali. Otmar morava em Arroio do Meio e fazia o trajeto num Volkswagen Fusca, também resgatado, com cerca de 80 mil quilômetros rodados. Ele mesmo cuidava da limpeza dos veículos, mantendo-os impecáveis, como se estivessem à espera de um comprador que nunca viria.
Apesar da curiosidade despertada pelos modelos expostos na vitrine, Otmar nunca demonstrou interesse em vendê-los. Um pouco dessa história foi revelada por Anderson Dick, que atuou na venda da frota ao novo proprietário. “Há relatos de compradores insistentes que tentaram adquirir os veículos, mas sempre recebiam a mesma resposta: os carros não estavam à venda”.
Dono da FuelTech, onde os carros foram levados, conta que descobriu um episódio curioso: “Um fiscal chegou a ser chamado para avaliar a situação, já que os carros expostos davam a entender que estavam disponíveis para compra. Para evitar problemas, Otmar colocou adesivos nos vidros com a mensagem clara de que não estavam à venda“.
Destino dos carros esquecidos
Somente em 2025, quase 23 anos após o fechamento da concessionária, os carros foram finalmente colocados à venda. O processo de comercialização envolveu a regularização da documentação dos veículos e do próprio imóvel, que também está disponível para venda.
A família atendeu pedido de Otmar, que desejou que a coleção fosse vendida junta e com discrição.
Em mais um aspecto inusitado do caso, como alguns dos veículos sequer haviam sido faturados, ainda são legalmente considerados novos. Com isso, a venda foi feita pelo CNPJ da Comercial Gaúcha, que segue ativo desde 1967, e as notas fiscais foram emitidas da mesma forma que quem comprar um carro 0 km, mesmo sendo modelos fabricados há mais de 30 anos.
CNN Brasil