Após a morte do papa Francisco, na última segunda-feira (21), um conclave mais diverso, com 133 cardeais, de 70 países diferentes, decidirá quem será o novo pontífice da Igreja Católica. Nesta reportagem, o g1 explica:

  • por que, diferentemente do que se possa imaginar, a votação não será um “Fla x Flu” entre progressistas e conservadores;
  • quais critérios provavelmente serão usados pelos votantes (spoiler: pouco importarão posicionamentos ideológicos sobre aborto, migração ou população LGBTQIA+).

“Temos a tendência a olhar para o conclave como olharíamos para a eleição de presidente da Câmara [dos Deputados]. Essa imagem não funciona, porque os cardeais são pessoas muito independentes: cada um é como um ‘senhor feudal’ dentro da sua diocese”, afirma Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião e ex-coordenador do departamento de fé e cultura da PUC-SP.

✝️Quais as características principais dos 133 cardeais?

Antes de entender o que está por trás da dinâmica do conclave, veja abaixo um raio-X desse grupo de clérigos — que já é considerado o mais diverso da história recente na Igreja Católica:

Conclave mais globalizado | Foto: Arte/g1
Conclave mais globalizado | Foto: Arte/g1
  • Quantos países estão representados?

Em 2013, no conclave que elegeu o papa Francisco, os cardeais haviam nascido em 48 países diferentes. Desta vez, são 71 nações representadas (Mongólia, Laos, Papua-Nova Guiné e Mali, por exemplo, “estrearão” na assembleia).

“Francisco aumentou muito a proporção de cardeais que não são europeus nem norte-americanos. E, nesses outros países, a Igreja Católica está mais enfraquecida e minoritária. A tendência é que esses cardeais de fora da Europa e dos EUA busquem uma opção de papa mais firme”, diz o especialista.

“Os africanos, por exemplo, provavelmente levarão mais em conta o sentido mítico: qual opção dá mais confiança para a vida extremamente difícil que a população leva? É um olhar diferente do europeu.”

O historiador Gian Luca Potestà, professor da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão, afirma que a assembleia mais “global” reflete não só a mudança no perfil dos fiéis ao redor do mundo, mas também o desejo do Papa Francisco de valorizar igrejas locais engajadas com causas sociais e políticas.

E atenção: o conclave não deve ser interpretado como uma disputa entre países.

“Não se trata de um campeonato de futebol entre nações”, explica Potestà. “Mas é claro que a afinidade linguística e cultural entre cardeais de uma mesma região pode influenciar nas articulações internas.”

  • Quantos foram indicados por cada papa?

Entre os 133 votantes, a maioria (108) foi nomeada pelo papa Francisco. Outros 21 assumiram o cargo por escolha de Bento XVI, e quatro, por decisão de João Paulo II.

➡️Mas, atenção: um cardeal indicado por Francisco, por exemplo, não necessariamente votará em um candidato com a mesma linha de atuação.

“Nenhum membro deste conclave fez a carreira inteira só na gestão do último papa, simplesmente porque ninguém vai de padre a cardeal em apenas 12 anos. Tirando casos extremos, a maioria [dos votantes] tem sua história construída pelos dois lados: de Francisco e de Bento”, explica o sociólogo Ribeiro Neto.

Exemplo: O brasileiro Odilo Scherer, que participará do conclave, foi nomeado bispo em 2001 por João Paulo II e só se tornou cardeal em 2007, já durante o pontificado de Bento XVI.

  • Qual é a faixa etária dos votantes?

Apenas os cardeais de até 80 anos podem votar. Na lista dos que vão fazer parte do conclave, a idade média é de 69 anos. O representante mais jovem é o ucraniano Mykola Bychok, de 45 anos, que atua na Austrália. E o mais velho é Jean-Pierre Kutwa, de 79 anos, da Costa do Marfim.

Idade média dos cardeais | Foto: Arte/g1
Idade média dos cardeais | Foto: Arte/g1

🕊️Por que a votação não é um ‘Fla x Flu’ de conservadores e progressistas?

No noticiário de política, estamos acostumados a analisar um grupo de votantes sob a ótica de seus posicionamentos ideológicos. No entanto, no caso do conclave atual, dificilmente será esse o critério que pautará a decisão de cada cardeal.

Existe uma polarização: um grupo vai querer radicalizar e acelerar as propostas de Francisco, enquanto outro desejará um retrocesso do que foi decidido pelo último papa. Mas esses extremos não têm força para decidir o resultado. São grupos minoritários”, afirma Ribeiro Neto.

Abaixo, veja o que é polêmico e avançou ou permaneceu com Francisco (os 5 primeiros pontos são mais progressistas, e os 2 últimos, mais conservadores):

  • a acolhida aos casais em situações consideradas irregulares (divorciados em segunda união, convivendo sem estarem formalmente casados) e à comunidade LGBTQI+;
  • o acolhimento dos mais pobres não por assistencialismo, mas como compromisso com a transformação social;
  • maior presença das mulheres nas instâncias decisórias da Igreja;
  • a busca pela sinodalidade em todos os níveis da instituição (maior participação de toda a comunidade na tomada de decisões);
  • permissão da missa em latim apenas com anuência do bispo (para evitar o nascimento de “seitas” no interior da Igreja);
  • condenação à “ideologia de gênero” (vista como uma propaganda ostensiva para que as pessoas se assumissem como homossexuais);
  • manutenção do sacerdócio católico romano nos termos atuais (celibatário e restrito aos homens).

g1

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